Marcado: poesia

Meio na contra mão, mas sempre no bom caminho

flora_borsi_irrel_viescrevi

Fotos da série “Iréel”, por Flora Borsi. Para ver as outras só clicar aqui.

Todo nove de agosto sinto pesar a sensação de ter que dar um veredicto final sobre mim mesma, afinal, mais um ano correu comigo tentando conhecer e entender melhor o que se passa além das minhas entranhas. O que meu âmago grita? Sempre acho que cheguei a minha definição final, e sempre mudo de ideia no dia dez. Aos 21 anos percebi que a única coisa definitiva em mim (por enquanto, quem sabe) é a mudança, o deslocamento, a quebra. É estranho, ser nômade dentro de si mesma.

Na minha calma opressiva minha alma se atrita com o que não cabe na moldura, mas suporta. Fazer o quê, gosto do novo, do escambo, do possível. Quero o que está diante dos meus olhos, e o que se mantém além deles. Arrisco, petisco e desgosto, às vezes logo, às vezes não. Vontades tão repentinas quanto vitais, que acabam me levando sempre a mais uma surpresa – dentro de mim. E até que alguma certeza me atropele ou floresça por aqui, continuo fiel aos meus instintos. À minha maneira de ser alguém real.

Andando em curvas, meio na contramão, mas sempre no bom caminho.

M

Bluebird [Bukowski]

Lá pelo meio do ano comprei esse livro mas só consegui lê-lo agora que fiquei de férias da faculdade e relaxada o suficiente para ler poesia. Ele é uma seleção de poemas do Bukowski feita e [muito bem] traduzida pelo Fernando Koproski. O livro é dividido em 3 partes por temática, a primeira se chama “Há um lugar no coração“, basicamente são poemas sobre mulheres que o Buk já teve: amores, putas e loucas. A segunda  se chama “Este é meu plano“, fala sobre o ato de escrever e a relação do próprio Bukowski com a poesia, é uma coisa bem metalinguística. Já a terceira parte, minha favorita, se chama “Como uma lua alta sobre a impossibilidade“, é difícil definir um tema mas eu a vi como algo mais existencial e da relação do próprio “eu”.

O velho safado realmente me surpreendeu com sua sensibilidade em alguns desses poemas. São uns 50 no total e eu marquei 8 deles que me tocaram de uma maneira muito delicada. Um deles é o “Bluebird”, que abre a terceira parte do livro. Ele foi o poema que melhor me fez entender o autor e me fez ver um lado que eu não imaginava dele, além de falar de um sentimento que eu nunca tinha realmente parado para pensar sobre antes, mas julgo ser familiar a muitas pessoas.

(…)
em meu coração há um pássaro azul
que quer sair
mas eu sou mais esperto, só o deixo sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo.
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.

daí ponho ele de volta,
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme juntos desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isso é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?

(vi esse vídeo do Buk recitando Bluebird, se alguém quiser escutar fica bem legal o jeito que ele próprio entoa os versos)

Esse poema realmente me despertou um lamento muito grande. Fiquei imaginando como seria miserável viver nessa contradição de não assumir uma característica sua, um traço de personalidade, um sentimento que se tem, ou qualquer coisa assim por medo do que isso causaria se viesse a superfície do seu eu, mas ao mesmo tempo, ser tão apegado a essa coisa, ou lado, ou vontade que simplesmente não se consegue nem sequer tentar mata-lo. E olha que não conseguir mata-lo tentando já é algo bem triste.

Porque, afinal, quando não gostamos de algo, abarreira que costuma nos dificultar a mudança é o hábito que se tinha de praticar o que já não é querido, então não há pena em se matar isso porque não há apego verdadeiro. Mas ser tão apegado assim à coisa para preferir viver de migalhas, saudades e tristezas em vez de simplesmente viver sem isso é algo realmente infeliz. Pela minha interpretação, o Buk se referia a seu Bluebird como sendo seu lado mais sensível, brando, dócil talvez… Características não demonstradas em seus textos e que ele teria medo que se expostas mudassem o jeito que as pessoas o olhassem e ao seu trabalho. (ex. trecho: “fica na tua, você quer me ver em apuros? / você quer sacanear com a minha obra? / acabar com minha venda de livros na Europa?”)

Acho que se tratando de como se lida com seu próprio eu, o caminho mais curto para a infelicidade é ser miserável com os próprios os sentimentos e suas consequentes vontades. Também não acho que a highway para a felicidade seja a abundância da satisfação dessas vontades, afinal racionalidade é fundamental para evitar que caiamos em nossas próprias armadilhas, e para mim um pouco de tristeza e/ou incorformismo fazem pare de uma vida feliz. Mas acho que a plenitude, essa sim, deve ser buscada. Ter coragem para viver com o que realmente se quer, ou pelo menos na melhor das piores hipóteses ter coragem de arrancar isso da sua vida por completo – take it or leave it. Tenho a impressão de que quem faz escolhas apenas “confortávéis”  sempre terá uma vida cheia de “e se”s. Quem sempre busca refúgio em suas escolhas não terá mais do que um refúgio. E há sempre tanto mais do que imaginamos serem as possibilidades.

Depois de toda essa viagem e de ter escapado totalmente do objetivo dessa postagem, vou fechar bruscamente com uma citação do Manoel de Barros porque tô atrasada e esse texto já não tem mais conserto hahaha

Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade, caça, jeito.